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Enxaquecas, depressão e fibromialgia, os reflexos do abuso sexual infantil

Abusada dos cinco aos 14 anos, por um familiar, uma mulher decide denunciar o caso. Os fatos aconteceram em Santo Augusto, entre 1993 e 2003, mas somente em 2024 ela encontrou forças para ir até uma Delegacia de Polícia, e relatar o abuso.

29/08/2024 07:11 por Maira Kempf


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Foto: Ilustrativa. Imagem de Alexa por Pixabay


 

A cada oito minutos, uma criança ou adolescente foi vítima de violência sexual no Brasil em 2023.

A constatação faz parte da segunda edição do relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, divulgado neste mês de agosto, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), uma organização não governamental formada por profissionais da área de segurança, acadêmicos e representantes da sociedade civil.

No período de 2021 a 2023, o Brasil teve 164.199 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes até 19 anos.  O relatório mostra a trajetória crescente do número de vítimas. Foram 46.863 casos em 2021, 53.906 em 2022 e 63.430 em 2023, mas por trás dos números, há histórias de dor, sofrimento e luta por justiça. 

Abusada dos cinco aos 14 anos, por um familiar, uma mulher decide denunciar o caso. Os fatos aconteceram em Santo Augusto, entre 1994 e 2003, mas somente em 2024 ela encontrou forças para ir até uma Delegacia de Polícia, e relatar o abuso.

Em entrevista à Rádio Querência, a vítima, que preferiu não ser identificada, contou que os abusos iniciaram quando era criança, com cinco anos, e aconteciam em sua casa e na casa do abusador. Também houve um episódio no litoral, onde passavam férias. 

Abuso sexual infantil é o termo utilizado para nomear qualquer ato sexual que envolva crianças ou adolescentes, incluindo desde carícias e toques íntimos, masturbação, penetração vaginal, anal ou oral, entre outras práticas que podem ou não envolver contato físico.

Falar sobre o assunto tem o objetivo de que outras pessoas não vivam o que eu passei

 

Dados mostram que em torno de 80% dos casos de abuso sexual contra crianças, o abusador, mora dentro de casa, ou a frequenta como pessoa de confiança. E somente este fato já ajuda a explicar em grande parte o motivo de ser um assunto tabu, ou que se mostra cercado por segredo, ocultação, medo, entre outras práticas que ajudam a manter o ciclo da violência sexual.

“Falar sobre esse assunto tem como objetivo evitar que outras pessoas passem pelo que eu vivi. Minhas memórias trazem a triste recordação dos abusos que ocorreram tanto na casa onde morava com minha mãe quanto na casa do abusador, onde eu era deixada sob seus cuidados para que minha mãe pudesse estudar, visto o vínculo afetivo que existia entre as famílias.”


Essas lembranças são parte da história da vítima, que ao longo dos anos, desenvolveu diversos problemas de saúde que podem estar associados aos traumas vividos, como enxaquecas, depressão e fibromialgia. Foi somente após receber o diagnóstico de fibromialgia, depois de inúmeras internações e tratamentos com doses altíssimas de medicamentos que não aliviavam as crises, que ela conseguiu começar a falar sobre o abuso.

Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, “a fibromialgia pode surgir após eventos graves na vida de uma pessoa, como traumas físicos, psicológicos ou infecções severas”.

 “Eu fui abusada quando criança”

 

Era junho de 2023 quando começou a sentir dores muito fortes, tendo que procurar atendimento hospitalar quase que diariamente, fazendo uso de diazepam e morfina. 

Lembro que em 12 de julho eu tinha uma consulta com uma reumatologista, e na hora da consulta a mãe da médica sofreu um acidente e precisou cancelar meu horário. Eu fiquei desesperada, fui para o hospital novamente e eles me indicaram uma outra profissional, eu estava mais do que no ‘fundo do poço’, quando entrei no consultório, a médica me olhou e disse: Fala o que te traz aqui hoje? E ali eu desabei e falei pela primeira vez. “Eu fui abusada quando criança”. 

A médica sugeriu terapia para identificar os gatilhos e formas para amenizar as consequências do abuso, mas, mais uma vez, a vítima optou por calar. 

“Eu decidi que ninguém mais saberia, porque eu nunca planejei contar, porque quando eu era criança, ele me ameaçava, então eu acho que eu bloqueei. [...] Ele dizia, tu não pode contar para tua mãe, para ninguém, porque teu pai já foi embora, se tu contar pra a mãe, a mãe também vai te deixar e tu vai ter que morar comigo, tu quer morar comigo? Pro teu bem, ninguém pode saber”, era o que ele me dizia. 


Passados alguns dias da consulta, haveria uma comemoração familiar, nesse período, ela conseguiu contar para a irmã. Cerca de um ano depois, para a mãe. Nesse dia, ela conta que mandou uma mensagem para o abusador, dizendo “ [...] esteja preparado para as consequências dos teus atos, hoje contei tudo o que fez comigo para minha mãe”.

O que me levou a falar sobre isso é que hoje eu tenho uma maturidade e evolução espiritual maior, onde hoje eu enxergo coisas que antes eu não enxergava ou negava. Eu acho que aconteceu no tempo que tinha que acontecer. O tempo vai passando e eu vou me lembrando de coisas. [...] Sempre fui uma criança agressiva, chorona, briguenta. Hoje, sei que eram atitudes decorrentes dos abusos.  Por muitos anos eu neguei que tudo isso tivesse acontecido comigo, mesmo sabendo e pensando nisso todo dia. Isso é um fantasma, todo dia tu acorda, olha no espelho e lembra daquilo. Mais nova, quase que diariamente eu sonhava que tinha alguém me sufocando, como se tivesse alguém, eu não enxergava quem, eu só enxergava tudo preto, me sufocando, segurando meu pescoço, eu acordava gritando, só que minha voz não saia, eu acordava desesperada, em pânico. 


A denúncia à Polícia

 

Depois de contar para seus familiares, ela relata que viveu uma libertação. "Eu me libertei do que me aprisionava, causando dor e sofrimento". Foi nesse momento, que decidiu procurar a Polícia Civil, em 22 de julho deste ano.

“Eu comecei a ver que ele levou a vida dele normal e que quem sofreu fui só eu, ele não sofreu. A minha intenção quando eu fiz a denúncia é que ele fosse preso. Eu não tinha noção de que isso não daria em nada, de que o crime prescreve”.

 

Arquivo
Apesar de ter levado caso à polícia, o registro foi arquivado. Foto: ARQUIVO/VÍTIMA

 

Apesar de ter levado os fatos à polícia, o registro foi arquivado pelo delegado Bruno Chaves, devido ao crime ter prescrito. No despacho, o delegado argumenta que o registro deveria ter sido feito dentro de seis meses após a vítima completar a maioridade.

A prescrição do crime de abuso sexual infantil é uma ferida aberta para as vítimas e um desafio para a Justiça, que precisa encontrar formas de garantir a punição dos agressores e a reparação dos danos causados.

Questionada sobre como se sente pelo arquivamento do caso, ela diz: “é ridículo, é revoltante, nem se quer ele vai ser chamado para depor […] quando eu consegui falar, não serviu de nada”.

Ela ainda procurou a Defensoria Pública, Ministério Público e um Centro de Referência de Atendimento à Mulher, onde recebeu acolhimento e orientações sobre o caso, mas é do apoio e amor da família que vem a força para superar os traumas causados pela violência sofrida.

“Entreguei nas mãos de Deus, se a Justiça dos homens falhar, a Justiça divina não falha”.

Prevenir o abuso sexual infantil


Prevenir o abuso sexual infantil é um assunto crucial e complexo que envolve múltiplos aspectos da proteção e educação. Aqui estão algumas orientações:

  •    Eduque as crianças: Ensine as crianças sobre seus corpos, o conceito de privacidade e o que é apropriado e inadequado em relacionamentos. Use uma linguagem adequada à idade.

  •    Converse abertamente: Fale regularmente com as crianças sobre questões de segurança e encoraje-as a compartilhar quaisquer preocupações ou desconfortos.

  •     Defina limites claros: Estabeleça regras sobre o que é aceitável e o que não é. As crianças devem saber que é aceitável dizer "não" a toques que as fazem sentir-se desconfortáveis.

  •     Supervisão: Mantenha uma supervisão adequada das atividades das crianças e dos adultos com quem elas interagem.

  •     Verifique antecedentes: Ao contratar babás, cuidadores ou qualquer pessoa que tenha acesso regular às crianças, faça uma verificação completa de antecedentes e referências.

  •     Atenção às mudanças de comportamento: Fique atento a mudanças no comportamento ou sinais de que uma criança pode estar sendo vítima de abuso, e ofereça apoio adequado.

 

Essas ações não garantem a eliminação total do risco, mas ajudam a criar um ambiente mais seguro e a reduzir a probabilidade de abuso. É importante que todos trabalhem juntos—pais, cuidadores, educadores e a comunidade—para proteger as crianças e oferecer-lhes um ambiente seguro e saudável para crescer e se desenvolver.

COMO DENUNCIAR 


Casos de violência contra crianças e adolescentes podem ser denunciados pelo Disque 100. Também é possível fazer denúncias pelo WhatsApp 61-9-9656-5008, além de presencialmente nas Delegacias de Polícia. 

Saiba como denunciar e qual o fluxo da denúncia. 

 



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