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Com 9 votos a 2, STF conclui julgamento e derruba marco temporal das terras indígenas

Maioria dos ministros da Corte entendeu que o direito das comunidades a territórios que tradicionalmente ocupavam não depende de uma data fixa

22/09/2023 08:16 por André Motta


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Antonio Cruz/Agência Brasil


 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quinta-feira (21) o julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas, com decisão, por 9 votos a 2, pela inconstitucionalidade da tese que diz que povos originários só poderiam reivindicar territórios ocupados por eles em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. 
A sessão desta quinta foi aberta com o voto do ministro Luiz Fux, que se posicionou contrário ao marco temporal, formando maioria de 6 a 2 contra a tese. Na sequência, o placar foi elevado para 9 a 2, com os votos de Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e da presidente da Corte, ministra Rosa Weber. 
Antes deles, já haviam votado contra o marco temporal, em sessões anteriores, o relator do caso, Edson Fachin, e os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Todos entenderam que o direito das comunidades a territórios que tradicionalmente ocupavam não depende de uma data fixa. Os ministros Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor da tese.
O processo que motivou a discussão no STF trata da disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina, que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e ocupação é questionada pela procuradoria do Estado. Foi a julgamento um recurso sobre a reintegração de posse do local feita pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) havia aplicado, em 2013, a tese do marco temporal ao analisar o caso e conceder ao IMA a posse da área. O argumento usado foi de que a área, de aproximadamente 80 mil m², não estava ocupada pelos indígenas em 5 de outubro de 1988. A Funai, então, enviou ao STF um recurso questionando a decisão do TRF-4. Os Xokleng argumentaram que a terra estava desocupada na ocasião porque eles haviam sido expulsos do local.
A decisão sobre o caso de Santa Catarina afeta processos que estão em instâncias menores do Judiciário e deve guiar o Poder Executivo nos processos de demarcação de terras pendentes.

Embate com o Congresso
A decisão no Supremo projeta um embate com o Legislativo, já que foi pautado ao mesmo tempo em que o debate sobre o tema avança no Congresso: a Câmara dos Deputados aprovou em maio um projeto de lei (PL) para restringir as demarcações — a proposta está agora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Na quarta-feira (20), a sessão da CCJ foi marcada por mensagens diretas aos ministros do STF. Senadores defendem o que consideram a prerrogativa do Congresso de legislar sobre o assunto.
Ao colocar a ação na pauta, a presidente do STF, Rosa Weber, contrariou a bancada ruralista e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), simpático ao projeto de lei. Deputados e senadores ligados ao agro esperavam dissuadir a Corte de retomar o julgamento.
Rosa Weber, conhecida pela defesa de pautas de direitos humanos, tratou de correr contra o tempo para votar no caso. A ministra se aposenta compulsoriamente no fim do mês e sinalizou aos colegas que não gostaria de deixar o tribunal sem participar deste julgamento.
Avaliações colhidas pelo jornal O Estado de S. Paulo dizem que, ao decidirem que a tese é inconstitucional, os ministros colocam em xeque o projeto. O PL trata de outros temas, que podem seguir tramitando, mas o trecho sobre o marco temporal precisará ser revisto.
— Entendo que o PL, internamente, até poderia tramitar. Contudo, o STF poderia novamente declarar sua inconstitucionalidade. Ou seja, ele seria inócuo. Não surtiria efeitos na prática — afirmou o constitucionalista Georges Abboud, professor da PUC de São Paulo.

Cláusula pétrea
Se os parlamentares insistirem na votação do PL, o Supremo tem pelo menos dois caminhos:
•    aguardar a movimentação no Congresso e, se o projeto for aprovado e promulgado, esperar o ajuizamento de alguma ação para voltar a analisar o tema
•    controle prévio de constitucionalidade; a atuação preventiva acontece, via de regra, quando há risco de violação de cláusulas pétreas da Constituição

— Um PL não tem qualquer possibilidade de se sobrepor à Constituição. O que está em jogo é a interpretação da Constituição dada pelo seu máximo intérprete, que é o Supremo Tribunal Federal. Um PL não vai alterar isso — diz o ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo Belisário dos Santos Júnior.
O ex-secretário afirma que, a partir do julgamento do STF, mesmo uma proposta de emenda à Constituição (PEC) teria dificuldades de prosperar:
— Esses direitos dos indígenas são cláusula pétrea e não podem ser alterados.
"Recados" ao Supremo
No Senado, a votação do marco temporal foi adiada para a próxima semana.
— É aqui que se decide, não é no Supremo. O Supremo só tem que guardar a Constituição. Não é deliberar se fizemos certo ou errado — afirmou o senador Weverton Rocha (PDT-MA) durante a sessão da CCJ da Casa.
Para o relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), o STF só poderia se pronunciar sobre o tema quando sancionada a lei. Enquanto a discussão estiver no Congresso, afirma ele, a Corte não pode intervir:
— São instâncias independentes. O Supremo não pode, sem devido processo legal, dizer que o parlamento não poder legislar sobre isso. Cada um cumpre o seu papel.
Senadores aproveitaram a discussão do projeto que busca transformar em lei o marco temporal para enviar mensagens ao Supremo.
— Temos que ter tamanho de senador, que não é menor que ministro do Supremo. Temos mecanismos para frear esses desmandos — afirmou Plínio Valério (PSDB-AM).
— Não podemos aqui abrir mão da nossa prerrogativa de legislar, senão fechemos o Congresso de uma vez e aguardemos que todas as questões sejam resolvidas pelo STF — disse Sergio Moro (União-PR).

Gaúcha ZH



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