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Entenda os impactos climáticos e econômicos de um possível La Niña no segundo semestre

Chance de ocorrência do fenômeno preocupa autoridades em diferentes setores

14/02/2024 07:39 por redação


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Foto: Josimara Megiato


 

Lembrado pela estiagem severa que marca seus anos de atuação no Rio Grande do Sul, o La Niña deve retornar já no segundo semestre deste ano, depois do enfraquecimento do El Niño e de um curto período de neutralidade. Ainda que não seja possível antecipar os impactos ambientais e econômicos do fenômeno, a previsão preocupa economistas e representantes da agricultura no RS. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) afirma que os órgãos da administração pública têm planos específicos relacionados ao evento.

A projeção de ocorrência do La Niña em 2024, com probabilidade acima de 50%, foi divulgada no início deste mês, no relatório mensal do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), feito em parceria com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e o Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastre (Cenad). O documento também prevê o enfraquecimento do atual El Niño nos próximos meses e, na sequência, um período de neutralidade entre abril e junho.

— O que já estamos observando no oceano é que o El Niño começou a enfraquecer. E os modelos meteorológicos, que são nossas principais ferramentas para previsão, nos apontam que esse enfraquecimento tem grande chance de progredir para o La Niña. Pode ocorrer de o El Niño ter um repique, que é quando enfraquece e volta a se intensificar, mas as ferramentas mostram que não teremos esse repique — comenta Daniel Caetano, meteorologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

O La Niña anterior começou no segundo semestre de 2020 e se estendeu até o início de 2023. Conforme o especialista, essa duração é considerada atípica e causou estiagem prolongada, em função da falta de chuva. Ainda no ano passado, após poucos meses de neutralidade, as águas do Oceano Pacífico Equatorial começaram a aquecer, indicando a chegada do El Niño — no território gaúcho. O fenômeno é responsável principalmente pelo aumento da chuva, o que causou enchentes, inundações e mortes nos últimos meses.

Caetano explica que existe uma grande escala de oscilação entre os fenômenos, chamada oscilação decadal do Pacífico, que está na fase negativa, favorecendo uma maior ocorrência de La Niña. 

Por isso, nos últimos 10 anos, houve mais eventos desse tipo e os El Niño foram mais rápidos. O padrão de duração de ambos deveria ser de sete meses a um ano, mas os La Niña têm se prolongado mais. Ainda não é possível prever por quanto tempo o próximo evento atuará.

— Tem períodos de neutralidade, que vai ser o que vai ocorrer quando o El Niño estiver perdendo intensidade. A neutralidade também costuma ter uma escala de seis meses, mas os modelos vêm apontando que rapidamente passaremos para o La Niña, como ocorreu em 2023, quando passamos do La Niña para o El Niño — afirma o meteorologista, acrescentando que a maior ocorrência dos fenômenos e os menores períodos de neutralidade podem estar relacionados às mudanças climáticas.

Impactos do La Niña

De acordo com Caetano, o La Niña fará com que o próximo verão seja muito parecido com os de 2021 e de 2022, quando o volume de chuva ficou abaixo da média para o período. Em função disso, é importante que os produtores agrícolas tenham sistemas de irrigação e de armazenamento de água bem desenvolvidos:

— Esperamos que não tenha um impacto tão forte na cultura de inverno. Mas a safra que começa entre setembro e outubro de 2024 vai pegar o período em que o La Niña estará mais ativo e provavelmente teremos chuva abaixo da média. Então, teremos que contar muito com sistemas de irrigação bem estabelecidos.

A consequência econômica da falta de chuva e decorrente seca no Estado é a mais alta possível, aponta Ely Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O especialista ressalta que a agricultura tem uma grande importância para o produto interno bruto (PIB) do RS e que a economia é interligada de ponta a ponta.

— A participação do PIB agrícola no PIB nacional não é tão grande, representa entre 7% e 10% do total, só que o produto agrícola ativa outros setores: o PIB do agronegócio, o PIB industrial. Quando consideramos isso, estamos falando de algo em torno de um quarto do PIB total. É um setor muito relevante, então qualquer choque é muito significativo. E no RS é ainda mais acentuado — esclarece.

Mattos afirma que é como um processo de “contaminação” da economia. Assim, com a agricultura prejudicada, o produto final acaba custando mais caro para o consumidor. O especialista destaca que a inflação de alimentos é muito nociva, principalmente para as pessoas de baixa de renda, e que os eventos climáticos extremos devem ser cada vez mais comuns e mais intensos.

— Do ponto de vista de consequência econômica da estiagem, não tem mágica para fazer. Vai diminuir a colheita e aumentar o preço. Há como minimizar o risco agrícola para o produtor, mas não resolve o problema da falta de produto. Então, cada vez mais teremos que nos empenhar para achar respostas, se adaptar e tentar produzir, fazendo o máximo para minimizar os efeitos — enfatiza Mattos.

O economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, lembra, no entanto, que a maior safra da história gaúcha foi durante um La Niña, em 2021. Dessa forma, defende que a ocorrência do evento não pode ser sinônimo de “fim do mundo”, porque depende da intensidade e de uma série de fatores.

Além disso, ressalta que o clima do RS é “maravilhoso” e que sempre teve La Niña, El Niño e períodos de neutralidade. Para ele, a diferença entre os impactos passados e atuais dos eventos está relacionada ao nível de produtividade, que aumentou muito.

— Temos um processo altamente produtivo e como consequência fica altamente complexo e sensível. Antigamente, não havia tantas perdas. Agora, tudo faz com que a produtividade seja elevadíssima. Em compensação, quando temos uma variação de 30 a 40 dias sem chover, dependendo da época, pode ser um desastre. Então, é lógico que estamos assustados e preocupados, mas não é o fim do mundo — destaca Luz.

Para o economista-chefe, o grande problema do Estado é a falta de capacidade do poder público de permitir que o setor se adapte às condições que existem. Luz aponta que existe dificuldade para armazenar água e lembra que, há poucos meses, diferentes cidades gaúchas enfrentavam fortes enchentes, mas aquela água foi toda para o mar.

Conforme o representante da Farsul, a entidade deve seguir cobrando soluções diariamente do poder público. Mas esclarece que os produtores não querem recursos financeiros para elaborar sistemas de armazenamento, e sim a permissão para tal:

— A água é um bem escasso, finito. Queremos poder armazenar. No mundo inteiro, situações muito piores do que as nossas são manejadas, mas nós temos uma dificuldade imensa de conseguir desenvolver um maior uso da água no RS. Então, temos uma preocupação genuína, viemos de perdas importantes que machucaram a economia gaúcha, mas o que mais nos assusta é saber que tem solução, é possível resolver, mas nossos avanços são mínimos.

O que diz a Sema

O especialista em recursos hídricos e saneamento ambiental Diego Carrillo, que é chefe da Divisão de Meteorologia, Mudanças Climáticas e Eventos Críticos do Departamento de Gestão de Recursos Hídricos e Saneamento (DRHS) da Sema, ressalta que a intensidade dos impactos ambientais do La Niña dependerá principalmente de três fatores: quantidade de chuva, temperatura do ar e bioma (Mata Atlântica ou Pampa).

Em um primeiro momento, nos locais onde houver chuva muito abaixo da média pode ocorrer estresse hídrico da vegetação, podendo comprometer os habitats e a cadeia alimentar, além de criar condições para incêndios. Depois, pode haver diminuição da disponibilidade hídrica de rios e lagos.

Carrillo reforça que a alteração do regime de chuva também tem o potencial de comprometer as expectativas de produção pastoril e de geração de energia elétrica (usinas hidrelétricas), com racionamento em situações graves. O especialista aponta que os órgãos da administração pública têm planos específicos em cada área de atuação:

— No DRHS, durante as estiagens, as principais ações dizem respeito ao monitoramento dos corpos hídricos, estabelecimento de acordos com os principais usuários de água, emissão de outorgas emergenciais e temporárias, ações de fiscalização e campanhas de divulgação de informações.

Além disso, afirma que outros órgãos atuam no monitoramento da qualidade da água, na perfuração de poços, na disponibilização de água por meio de caminhões-pipa e na busca por mananciais alternativos de abastecimento público.

— A magnitude dos impactos ambientais e econômicos dependerá da intensidade do fenômeno. Mas a recorrência desses impactos fez com que algumas estruturas do serviço público passassem a incorporar no seu planejamento ações de mitigação desses impactos. Pelo DRHS, podemos citar o mapeamento das regiões mais vulneráveis a estiagem e melhor estruturação de equipes de fiscalização — finaliza.

El Niño X La Niña

  • O El Niño e o La Niña podem ser definidos como dois fenômenos atmosféricos caracterizados, principalmente, pelas condições de temperatura das águas.
  • Ambos ocorrem na mesma região oceânica: as porções central e leste do Oceano Pacífico Equatorial, na costa do Peru.
  • O aquecimento das águas da região em pelo menos 0,5°C por algumas semanas indica a chegada do El Niño. Já quando as águas esfriam no mínimo 0,5ºC, é sinal de La Niña.
  • O La Niña não tem tanta intensidade e costuma durar mais tempo, enquanto o El Niño tem intensidade moderada, por vezes forte, e duração menor.
  • No Rio Grande do Sul, o La Niña tem como marca a estiagem, já que o fenômeno diminuiu o volume e a frequência da chuva, aumentando a seca.
  • Já o El Niño traz para os gaúchos aumento de temperatura e de precipitações, podendo causar problemas como enchentes e inundações.

Gaúcha ZH



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