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Caso de crianças esquartejadas em Novo Hamburgo completa um ano sem respostas

31/08/2018 00:00 por lccomunic


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Todos os dias o delegado Rogério Baggio, da Delegacia de Homicídios de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, confere registros de desaparecimentos de crianças no Estado. Espera que alguém reclame a falta de um menino, entre oito e nove anos, e uma garota com cerca de 12. A busca virou rotina na investigação do caso que intriga e desafia a Polícia Civil há quase um ano. O mistério, com elementos de barbárie, teve início na manhã de 4 de setembro, quando partes de corpos foram encontrados em matagal no bairro Lomba Grande.

Um catador recolhia materiais recicláveis na Rua Porto das Tranqueiras, estrada de chão que costuma ser usada como depósito de lixo e descarte de animais mortos, quando deparou com um tronco humano em um saco plástico azul. Assustado, abordou veículo da Brigada Militar que passava próximo. A poucos metros, dentro de duas caixas de papelão, embalados em sacos idênticos, estavam outras partes de dois cadáveres. As cabeças não foram encontradas.

Naquele momento, a polícia pensava estar diante de uma mulher e um menino esquartejados. Talvez mãe e filho. Era o primeiro dia de Baggio à frente da Delegacia de Homicídios. Mais precisamente, primeira hora.

— Nunca vi nada tão bárbaro — relatou.

Não havia registro de desaparecidos com as mesmas características. Também não existiam câmeras de segurança na estrada e nenhum morador relatava ter visto o descarte. As casas mais próximas ficavam a cerca de 700 metros. O estado dos corpos levava a polícia a suspeitar que o crime havia acontecido poucos dias ou até horas antes. A análise do local permitia concluir que o assassinato não aconteceu ali. Não havia marcas de sangue.

A pista estava nas caixas usadas para descartar os corpos. A marca de sabão em pó é produzida na Paraíba e em Pernambuco. Os policiais percorreram mercados e contataram a fábrica para se certificar que o produto não era vendido aqui. Tentaram obter informação para identificar onde o lote foi comercializado, mas não foi possível.

Peritos reviravam as mesmas caixas em busca de impressões digitais, mas a cerração da manhã tinha danificado o papelão. Também nos sacos, nenhum vestígio foi encontrado. Dois dias depois, a primeira conclusão pericial apontou que as vítimas eram, na verdade, crianças, com idade entre oito e 12 anos.

Assim como intensificou a barbárie, a descoberta de que os dois eram menores trouxe desafio maior para a investigação. Crianças, em geral, não tem carteira de identidade. As digitais e o DNA haviam sido coletados, mas, como já se temia, não foram encontrados registros no Estado. Faltava à polícia descobrir ainda qual a ligação entre as vítimas. A resposta chegou três semanas após pelo laudo da perícia. Tinham material genético compatível pelo lado materno.

— Podem ser irmãos, por parte de mãe, com pais diferentes. Mas podem ser primos ou tia e sobrinho, por exemplo — explica Baggio.

 

Crianças não seriam únicas vítimas do crime

Outra incógnita para a polícia é porque ninguém informou o desaparecimento. Por conta do tempo, Baggio suspeita que os dois possam não ser as únicas vítimas do crime macabro.

— Não descarto que a mãe ou o pai, ou mesmo os dois, estejam mortos. Não acredito que não reclamariam seus filhos depois desse tempo. E mesmo que fossem os autores, já teriam confessado. Isso intriga muito a gente.

Como as caixas eram de fora do RS e não havia registro de desaparecimento compatível com as vítimas, a polícia passou a suspeitar que elas poderiam não ser daqui. As impressões digitais foram enviados para outros Estados, mas sem resposta positiva.

A polícia também não descarta que as crianças possam ser estrangeiras. A informação de que poderiam ser da Argentina fez os policiais pedirem auxílio ao país vizinho. Mas também por lá, o banco de dados não encontrou registro compatível.

— Não tem uma luz. Estamos no escuro, completamente — lamenta Baggio.

Duas semanas após o encontro dos corpos, novas partes foram localizadas também em sacos plásticos, a cerca de 500 metros do primeiro local. As cabeças seguem desaparecidas. Com elas, seria possível reconstituir digitalmente a face das vítimas. Enquanto isso, as crianças seguem sem rosto, os corpos não foram sepultados e permanecem congelados.

 

Sem prazo para arquivamento

O delegado Baggio espera que alguém registre o caso, mesmo depois de quase um ano. Se a pessoa desaparecida tem essa faixa etária e a data é compatível, não importa a cidade, os policiais seguem até lá para obter mais detalhes.

O policial segue sendo questionado constantemente por familiares, amigos ou conhecidos sobre o desfecho do caso. O policial diz que não pretende arquivar a investigação. Por isso, vem pedindo à Justiça prorrogação do inquérito, sempre que finda o prazo. E pretende continuar insistindo nele:

— Tenho uma coisa pessoal que preciso resolver. É um desafio muito grande. Não consigo desligar. Tenho bastante tempo de carreira ainda. Sinto que é um caso que veio para ser resolvido. Vamos trabalhar até achar. O tempo que for.

 

Tráfico de órgãos e até ritual satânico apurados

A Polícia Civil apurou denúncias de tráfico de órgãos, crime passional, tráfico de drogas e até ritual satânico. A última hipótese acabou levando em dezembro, durante as férias de Baggio, à prisão de sete pessoas suspeitas de terem matado as crianças. No início de janeiro, a investigação, que tinha sido comandada pelo delegado Moacir Fermino Bernardo (agora afastado do cargo), foi desfeita pela própria corporação.

Fermino, o policial civil Marcelo Cassanta e um informante, Paulo Sérgio Lehmen, viraram réus por falsidade ideológica e corrupção de testemunhas. O processo tem segunda audiência prevista para outubro.

— A gente não pode mais fazer suposições sobre esse caso. Depois desse episódio lamentável, agora só posso trabalhar com fatos — analisa Baggio.

O delegado Baggio confirma que não descarta a hipótese de o crime ter ocorrido durante um ritual, assim como em outra circunstância. O policial reconhece que o episódio envolvendo o delegado Fermino prejudicou o andamento da investigação.

— Nos atrapalhou muito porque nada era verdade. A história que foi contada era muito macabra, então pegou. Isso contaminou os relatos. Mas checamos tudo. Enquanto não souber o que houve com essas crianças, não posso descartar nada.

 

Alunos em falta receberam visita da polícia

Além de verificar os cadastros de desaparecidos, a polícia também esmiuçou listas com nomes de alunos que haviam deixado de frequentar a escola. A procura inicialmente foi feita em Novo Hamburgo, depois se estendeu para outras cidades da região. Quando as crianças tinham idade aproximada das vítimas, os investigadores rumavam até a casa da família e não retornavam sem ver as crianças. Mais de 50 famílias foram visitadas.

— A gente chegava e se identificava. Mas não dizia que era investigação de homicídio. As crianças sempre estavam em casa. Então acabava fazendo uma parte social. Esclarecia que não mandar criança para escola é crime — conta o delegado.

"Vamos acompanhar e voltar aqui", prometiam os policiais antes de deixar as residências.

"Vou levar para a escola", garantiam os pais.

 

*Gaúcha



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